Fome, sede e vontade de ler



O corpo necessita de combustíveis. Se precisamos de água, temos sede. De comida, temos fome. Nunca paramos de respirar. Por que nos falta uma necessidade de ler? Aliás, não há sequer um nome pra isso. Simplesmente “a necessidade de ler”. Algo como a manutenção da intelectualidade, ou da saúde do cérebro. Ler. Ler como quem mata a sede. Como quem avança sobre um prato de comida. Um copo de água bem gelada e uma Clarice. Uma lasanha e um
Machado. Para todos os dias, arroz, feijão e Allan Poe. (...)

Os jovens - ah, sempre os jovens – não conseguem, ou não querem, enxergar o benefício da leitura. Qualquer leitura. E os jovens crescem, ou já cresceram, subletrados. Daí a pergunta: E se houvesse uma necessidade física? Penso que ainda há o que mudar na estrutura humana. Que tal essa dica? Hein? Na falta de uma terminologia melhor, fica a “fome de leitura”, ou a FOMURA.
O menino grita: “Manhêêê, tô com uma fomura danada”. E ela vem correndo com a Ruth Rocha que é pro menino parar de reclamar. O pai, no meio da noite, acorda com o choro do bebê. Dá a mamadeira, troca a fralda e lê o Ziraldo enquanto o neném não consegue sozinho. O casal de namorados vai sair à noite. Jantar, choppinho ou leitura? O rapaz mais afoito sugeriria um João Ubaldo. O divorciado um Nabokov. O mais esperto um Vinícius (sim, elas ainda adoram). E a combinação vinho, massa e Drummond? Irresistível.

O sonho enfim se concretizaria com o obeso-literato. Aquele que, de madrugada, assalta a estante. Acha que não faz mal um  Parnasianismozinho durante as refeições. Vai ao médico, o letricionista, que lhe passa uma dieta a base de romance. Nada muito pesado. Depois das 20 horas, só Sidney Sheldon. Mas cai em tentação e é flagrado com “Crime e Castigo” nas mãos. A família se preocupa. Tornou-se um livrólatra
Só o L.A. (Livrólatras Anônimos) poderá salvá-lo. Nas reuniões com o grupo de viciados em literatura, ele conta sua saga: “Bem, comecei aos 10 anos. Como todo mundo. Fadas, chapéus, narizes que cresciam. Depois eu parti pros livros menores. Mas quando você menos espera, já está devorando um Jorge Amado numa sentada só”. Um “ooh” ecoa na sala. Senhoras comentam entre si. “Tão novinho e tão letrado, né!”
Bibliotecas lotadas. Um silêncio ensurdecedor. Filas enormes para entrar. É muita gente morrendo de fomura. Consegue uma mesa, pede o menu.
- Por favor, me vê duas Cecílias. E pro menino pode ser um Lobato, que ele adora!!
- Senhor! Nossas Cecílias acabaram.
- O quê? E o que você sugere?
- Nosso Eça é legítimo, senhor! E temos Camões.
- É que os portugueses são caros, né? E meu médico me proibiu Camões durante a semana.
- Algum Andrade?
- Não sei. Não sei. Tô indeciso ainda.
Depois de alguns minutos pensando e testando a paciência do rapaz que lhe servia...
- Ah, vou de Paulo Coelho mesmo que é só pra matar a fomura.

(Fonte: CAMBOTA, Fabiano. Fome, sede e vontade de ler. Texto modificado. Encontrado aqui)

8 comentários:

  1. Aii que tudo de bom esse texto, super bem bolado. AMEIII e nunca mato a fomura de literatura! kkkkkkkkkkkk
    Beijos!
    Paloma Viricio- Jornalismo na Alma.

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  2. Eu adorei o texto!
    Tão criativo... simplesmente incrível =)

    Beijos,
    Carol e seus livros.

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  3. Adorei o texto. Acho que eu sofro de formura hehehehe Eu não consigo passar um dia sem ler. Tinha uma época que eu não trabalhava ainda e não tinha dinheiro pra comprar livros, eu lia o que achava, jornal, propaganda de supermercado, bula de remédio, manual de eletrônicos.

    http://blogprefacio.blogspot.com.br/

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  4. Oi, gostei muito do texto.
    Levou-me a refletir um pouco...
    Beijinhos
    http://marlicarmenescritora.blogspot.com.br/

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  5. Olá!
    kkk Amei o texto flor.
    Antes eu lia um livro por mês tipo 1h por semana mais agora não consigo ficar um dia sem ler ou um mês sem comprar nenhum livro.

    Beijos
    http://www.sonhandocomlivros.com/

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  6. Olá, querida!
    Adorei seu blog, já dei um follow.
    Você é muito fofa, o texto está ótimo.
    Clicando Livros
    Beijão

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  7. Uau! Que texto mais perfeito! Gostei muito do termo Formura. Às vezes, sinto uma formuna enorme... =)

    Beijos,

    Isie Fernandes - de Dai para Isie

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  8. Que texto lindo, e inteligente. Bom domingo. Bjos!

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